segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Léo é parsa

O tio do Léo deixou a porta aberta e então eu vi pela fresta a liberdade; o cheiro que vinha dos resquícios de cotidiano entre os paralelepípedos, o cheiro também das plantas, de gasolina, de perfumes de quem saiu hoje cedo de casa. Eu fui, atravessei a porta e estava enfim na calçada. Já na rua, ouvi passos rápidos e de repente pausou; era uma moça, diante de mim com olhos bem abertos admirados como se eu não fizesse parte do mundo dela, não abriu a boca talvez porque estivesse cheia (senti cheiro de pão e queijo). Eu a fitei e segui um caminho oposto, fingindo não me incomodar com sua presença. Ela olhou para cima e viu o Léo, falou pra ele de mim: "- Tem um coelho aqui!", ele culpou o tio pela porta aberta e sinalizou que desceria. Depois disso, a moça começou a vir em minha direção e eu comecei a fugir dela. Qual o problema dessa garota? Não estava ela apressada? Nunca viu um cara peludo, branquinho com cinza na vida? Eu fiquei chateado com aquela humana intrometida! Eu ali curtindo a manhã numa fuga rápida e ela sendo o bloqueio da minha sapequice. 

Confesso que gosto de humanos, eles tem comportamentos interessantes e engraçados. Apesar de serem uma das espécies mais barulhentas que conheço. Eles riem com sons, choram com outros sons, dormem, namoram e misturam comidas fazendo muitos barulhos e ainda ouvem músicas! Dentre esses humanos o  meu preferido é o Léo. Ele conversa comigo, me dar comida, deixa eu circular em uma casa confortável, é brincalhão... Desde que eu vim daquele país vivo mais normal como bicho, vivo a tranquilidade da falta de horário, da música boa, do cheiro do fumo, da comida posta, das luzes aconchegantes, e de uns aromas que sinto quando o Léo molha uns palitos num vidrinho; ele me explicou que é terapêutico, então desde então descobri que estou em terapias. Ele me explica muitas coisas; gosto do Léo porque ele sabe que eu entendo, que sou um bom aprendiz de humano. 

Se não fosse Alice que me trouxe naquela bolsa eu teria um ataque cardíaco de estresse naquele lugar que só tinha o nome de maravilhoso. Se ela não tivesse deixado a porta de casa aberta, eu não teria vindo até a casa do Léo guiado pelo cheiro das suas comidas mágicas (Léo tem um restaurante). Falando nele, ele chegou, diante do aviso daquela moça; ele comentou sobre minha ousadia e agradeceu a ela, mas me deixou bem a vontade para passear na rua. O Léo sabia que se tem amor, não precisamos de amarras, sempre queremos voltar. Casa, Lar... Isso me fez lembrar de outra coisa, preciso falar com o Léo que traga a amiga Fabiana com sua linda coelha, estou necessitando a casa lar dela (ou com ela?). Enfim... "- Léo! Vem cá, humaninho..." 

Léo é "parsa" demais. 

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Ele deve ser de Netuno

Ben não parecia ser desta terra, mas gostava de se inteirar do que acontecia por aqui. Ficava atento as pessoas, achava que elas eram seres cheio de tendências previsíveis; cheias de faltas, de coisas escondidas, gostava de observar seus limites; ele também gostava de ajudar para que elas não se sentissem sozinhas, eu me perguntava: Ele se sentira assim? Mas Ben, não era daqui. Eu não sabia como provar isso ainda, além de também não saber nem supor e descrever tanto o que ele pensava;  desse modo,  eu também o observava. 

Cada pessoa era uma matéria, cada experiência uma escola. Ele tinha uma tendência além de contato com tanta gente, a coisas de outras realidades. Falava do que era invisível, de coisas mundos paralelos, gostava de seres com outras configurações, coloridas, com super poderes, um ser que era três em um; falava de indivíduo, singularidades e sociedade. 

Suspeito que Ben veio de Netuno. Ele não me falava muito de onde veio. Ben era como água: Fluído, adaptável e curandeiro. Para olhos rasos, ele parecia se camuflar como se fosse daqui, mas eu de perto via, não tinha como ele ser.  

Conheci Ben por meio de uma viagem,  na época em que eu estava de férias visitando outras cidades. Ben me era curioso. Não parecia ofensivo, mas ofendido várias vezes. Lhe ofendia a falta de amor e a burocracia de números. Para ele nas relações não podia faltar amor;  ele parecia ter isso na veia; o senso de justiça dele também era plausível. Mas sobre as burocracias...

Um dia pedi os documentos dele para algo de um registro. Ben não tinha números, apenas letras e foi então que percebi sua falta de familiaridade com matemática. A lógica dele era sempre por outra via...  Ben, certamente é de uma terra de amor e palavras. Na dor, ele esconde elas, mas não o amor que lhe é, nitidamente, visceral. 

Mas como Ben rejeita números? Pois é, ele vive nessa terra de forna ilegal. E foi nesse dia de palavras e faltas de números que comprovei que Ben sempre foi um estrangeiro. Ben não é daqui.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Banho de chuva

Chovia, chovia muito naquela noite. O barulho das gotas nas casas, nas pedras de paralelepípedos e nas plantas ao redor declaravam que as gotas vinham com muita força... Tudo ganhará um tom diferente, um filtro pra minimizar contrastes e as luzes ficaram turvas. Alaranjadas e turvas. 

Eu estava sozinha em casa um tanto aflita em meio a tantos pesares que passavam pela mente, fui a janela e lá senti os pingos cair na janela e respingar em mim. Fechei os olhos...  Aquele cheiro, era muito bom. Abri a porta e saí. Na frente da casa me sentei no banco do jardim; a chuva diminuía e aquelas gotas não causavam dor, nem euforia. A água descia pelo meu corpo, deixando minha roupa colada e meu cabelo encharcado. Eu levantei minha cabeça para o alto, de olhos fechados, me permiti somente sentir. Como se a água banhasse não só meu corpo, mas também a alma... Senti paz. Uma resposta em oração d'água. Recebia eu, o que vinha do céu.