segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Eu vou longe!

29 anos e o que tenho pra falar pra garota de 10 anos atrás? Que vou ser muito feliz com a vida fora do trilhos! Que eu deveria escutar a previsão da tia Nena: "Camila, tive uma revelação em um sonho com você, essa cidade é pequena pra ti, se prepare pra ir longe por outros lugares, outros países! Segue teu chamado, garota!"

Desde que ouvi isso de tia Nena fiquei encucada. Eu amo desenhar desde criança e minha mãe e avó são costureiras; pensei então em juntar os ensinamentos delas com esse dom que Deus me deu e ser estilista. Depois que ouvi isso dela, pensei que poderia certamente ter muito sucesso! Meu pai sempre achou uma bobagem de sonho, dizia que eu tinha que saber de onde eu vim, que nossa família é humilde, que quase não tínhamos dinheiro, mas temos as maiores riquezas que é saúde pra trabalhar, fartura em nossas colheitas que nos dão sustento com as barracas nas feiras e uma família amorosa com a benção de Deus. Meu pai é um homem bom mesmo, mas faz tempo que não sabe sonhar. 

Eu estudei, estudei muito, tive uma professora que olhou pra mim e acreditou no meu potencial; me forneceu direcionamento, internet e eu estudei ainda mais. Foi assim, que passei no vestibular que fiz em outra cidade do Ceará; fui pra Fortaleza. Amei o curso, morei numa república, fiz boas amizades; aprimorei meus desenhos, as costuras e tudo mais; sonhava muito com modelos desfilando com as roupas desenhadas por mim; mas a vida às vezes brinca com a gente, não é mesmo? 


Depois que me formei, comecei a trabalhar numa fábrica, as coisas estavam dando certo e meus pais estavam orgulhosos de mim. Sempre que eu ia visitá-los era uma boa troca, eu levava roupas mais bonitas pra cada um, ensinava um pouco do que aprendi a minha mãe e também aprendia macetes com ela; fazia a feira de frutas e verduras no quintal de meu pai com ele sempre muito saudoso, animado e curioso; ainda dava tempo de sair para encontrar algumas amigas. Era muito bom estar em casa, morar perto deles... Mas e aquilo que tia Nena falou? Não vai se cumprir? 

Estava meio desanimada com algumas coisas na rotina de trabalho e uma das minhas amigas me chamou para "espairecer", havia um circo novo na cidade. Lembrei de uma atividade do livro que eu estava lendo [O caminho do artista] onde sugeria que a gente marcasse um encontro com nosso artista, levasse ele pra passear. Pensei que ir ao circo poderia ser uma boa ideia, então fomos. E como foi bom! Entre um número e outro eu me pegava sorrindo, atenta, imersa... Sempre gostei de circo, mas parecia ter esquecido disso. Hoje, adulta, eu olhava pra eles pensando na ousadia, na criatividade, na coragem, no reinventar-se e viver da sua própria arte...

Como boa libriana com lua em peixes (coitada de mim com esse mapinha), fui levada aos olhos, ao manejo, a técnica, ao tudo mais de um equilibrista; admirando ele fazer tudo aquilo com diversão e desafios. Sebastian, o palhaço o apresentou. Sebastian... Lindo. Com seus olhos apertados que ao sorriam viravam duas belas linhas, a boca desenhada com traços finos que poderiam contrastar com a minha, sua pele parda parecia estar sempre bronzeada, o cabelo ondulado e fácil de bagunçar, seus olhos castanhos escuros, o corpo bem definido, forte, resistente e um sorrisinho que certamente despertavam tantos outros sorrisos sem jeito. Ele apareceu, fez seu número, ficou como assistente de palco, depois foi pra o globo da morte e na minha cabeça a noite toda desde que ele apareceu, só tinha ele. Só dava ele. A minha amiga percebeu e sorriu, disse que seria uma boa aventura pra minha vida que andava séria demais, mas ele nem se quer olhou pra mim. 

Pausa para pipoca. Eu amo aproveitar de um tudo então, tinha que ter a pipoca, o refrigerante, o churros e Sebastian... Sebastian estava lá. Comprei as coisas aos poucos, voltando várias vezes na fila só pra ver aquele sorrisinho. Ele sempre me retribuía e eu ficava naquela de "como ele é fofo" e "sou apenas mais uma".

Não tinha mais o que comprar e o intervalo acabou. Voltamos ao picadeiro. Será que meu coração tava tão ocioso ao ponto de ficar iludido assim? Admirado... Coitado. Por fim, foi divertido. Acabou o espetáculo e fomos em direção a saída com minha cara pintada de palhaça teoricamente porque minha amiga não parava de sorrir de mim com essas minha paixonite platônica. Até que ouço alguém me chamando e quando viro, era ele. Sebastian... O nome doce como sorvete na minha boca. Mas como sabia meu nome? Lá vem ele sorrindo com meu cartão roxinho na mão. Sim, o pagador das baganas e dos encontros. Havia deixado pra trás e ele achou! Não era um pilantra pra tentar usar. Ele era honesto! [Eu alimentando a paixonite.]


Se aproximou de mim, super educado e simpático, meio sem jeito, me entregou algo a mais. O seu número de celular anotado numa senha para o próximo espetáculo e foi aí que eu comecei a ser feliz de novo na minha vida. Foram meses nos encontrando, nos apaixonando, chamadas de vídeos, fins de semana e até encontro onde eu morava. Percebi que ele na verdade era tão tímido no início e foi se soltando com minha tagarelice. Como eu estava feliz! Muito. Mas nosso tempo estava acabando, o circo já estava 4 meses na cidade. Ele disse que não poderia me dar uma vida como eu merecia em grandiosidade, mas queria tanto que eu fosse com ele. Meus pais adoravam Sebastian, a turma do circo gostava tanto de mim, acabei fazendo amizade e figurinos novos, o que foi maravilhoso! Arrisquei brincar de aprender a escalar tecidos, dançando, virou meu exercício favorito; eu até brincava dizendo que era o auge da minha profissão: um tecido emaranhado no meu corpo me levando as alturas. Fiquei pensativa durante alguns uns dias... 

A verdade é que estou muito feliz e amo o Sebastian; contudo e minha carreira de sucesso? Foi pensando mais um pouco que lembrei do que meu pai me ensinou sobre aquele papo de ter saúde, do amor, das farturas no quintal e das barracas. Eu tinha que planejar algo muito bom... A minha geração muda tudo com essa internet... Bem, saúde eu tenho graças a Deus, amor também, o meu quintal é minha cabecinha com fartura de criatividade e minhas barracas serão...? Loja virtual! Sim! Decidi que faria dar certo! Organizei tudo e ao longo do tempo fui aperfeiçoando. A gente só pode aperfeiçoar o que já foi criado. Pois então.

Hoje viajo o mundo com o circo, com Sebastian! As roupas são vendidas para todas as cidades, estados e até pra outros países. Por onde andei montei rede de mulheres costureiras e suportes administrativos locais. Fazemos tantas roupas lindas! Isso tudo movimenta a economia da cidade com peças diferenciadas e uma qualidade fantástica! Faz também as mulheres expandirem os horizontes e mudar de vida com sua nova fonte de renda. É desafiador por vezes, mas é divertido!

Vez ou outra vou ao nordeste visitar meus parentes e amigas lá no Ceará. Eu amo tanto eles e também poder proporcionar uma vida com mais conforto pra eles e até pra meus irmãos menores. Por vezes bate uma saudade... Mas a gente foi criado pra cumprir chamados também. Se eu não tivesse me encorajado a sair, a conquistar tantas coisas com criatividade e a benção de Deus, aí sim, eu estaria entristecendo a todos. "Mufinando", sabe como é? Eu me preparo sempre pra ir longe, sem deixar pra trás as minhas bases e estou tão muito feliz com essa empresa se expandindo cada vez mais. Sigamos! 

[Sebastian além de lindo e amoroso, ainda é bobo. Diz que sou a musa acrobata dos tecidos do coração dele.]

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