Arlete é uma moça bondosa, cheia de amigos e com o amor pulsante dentro de si, mas sofre com um problema crônico de dualidade. Bem, isso quem disse foi um psicólogo, uma astróloga, uma mãe de santo, a líder de jovens da igreja, alguns amigos, a filosofia e o que mais ela buscou que pudesse falar sobre ela, além dela mesma (é claro).
A questão é que se isso fosse realmente um problema, era na visão dos outros, pois ela gostava da diversidade desde quando era criança. Por exemplo: Ela brincava que era mãe de gêmeos de sexos opostos, porque não conseguia querer ser apenas mãe de um por vez e essa coisa de decidir se seria menino ou menina, por que não ser logo mãe dos dois? Cor preferia? Porque somente uma? Ela amava a coleção de cores completa! Não dava pra ter uma amiga somente também; era muito mais legal ter várias! Profissão... Bem, já falavam disso quando ela era criança e ela experimentou brincando de muitas delas; gostava de ser maquiadora, vendedora, médica, construtora, decoradora, pintora, professora, atriz e o que sua imaginação viesse trazer.
Sua mãe sempre a elogiou por sua criatividade; se mantinha ocupada com o balé, com as aulas de basquete, com os encontros de rodinhas de amigos pra aprender violão; pintava o próprio cabelo, cortava também; cantava; escrevia, calculava... Era repleta de variações e enérgica demais!
Mas chegou um dado momento em sua pré-adolescência que a mãe começou a falar sobre individualidade, singularidade e absorver isso foi muito difícil. Ela aprendeu a teoria. Contudo, pra começar: ela dividia o quarto com dois irmãos, seus pais tinham duas casas porque preferiram morar longe um do outro. (Eles se separaram, depois descobriram que ainda se amavam e queriam continuar, porém a rotina era muito problemática então resolveram viver assim). Com esses exemplos, ela não via como algo ou, alguém sozinho seria bom.
14 anos recém completados e ela sentiu vontade, finalmente, de beijar alguém. Em meio ao seu cotidiano surgiu um sentimento diferente de tudo que ela viverá: Paixão. Por um menino. Ela se gloriou por isso; gostava de meninos, apenas. "Olha só! Não sou tão problemática assim!". E mais, gostava de apenas um rapaz em especial. "Aiinnn... Ele é clássico, fala baixinho, escreve carta, educado, se veste bem, discreto, cheio de sensibilidade, força e objetivo. " Com esses pensamentos, e sentimento reciproco, o romance começou. Coisa linda, roteiro de novela das 18h. Ela apaixonada, escrevia lindamente pra ele, eles moravam distante e poxa... Aquela novela mexicana de saudades. Mas, Arlete tinha aquela característica lembra? Ás vezes quando se aborrecia de tantas perguntas ela culpava o signo: "Não tenho culpa se nasci sendo de gêmeos!"
Conheceu um garoto na escola, "Ele é tão imprevisível, divertido, espalhafatoso... Ele dança! Nossa ele sabe jogar vôlei; vai me ensinar cálculos. Ele é muito prático. Engraçado; forte, esportivo..." E aí ela se apaixonou. O problema foi que ela não deixou de estar apaixonada pelo outro. Como pode?
Ela ficou com os dois, mas a sua consciência falou que era errado... Mentira. Poderia ter sido isso pra história ficar mais bonita, mas o que aconteceu foi que ela só não gostou muito do beijo de um, e também não se sentiu segura porque ele não era discreto e sairia contando pra todo mundo, então resolveu ficar com apenas um. Mesmo sabendo que ela queria os dois. "Não dar pra somar agora, não é mesmo?"
Anos se passaram e a história se repetia; porém ela nem se dava conta de ser algo com ela em si, afinal havia sentido pra tudo aquilo: Não havia encontrado ainda a tampa da sua panela.
20 e poucos anos, ela se deparou com algo bem estranho: Estava gostando de dois, novamente, mas o curioso era, não conseguia ver muita diferença entre eles... E agora? Não tinha dilema! Não conseguia comparar; não conseguia ver quem vencia isso, não conseguia escolher, porque... Queria os dois! Poderia somar os dois agora? Seria essa a solução? Achar um que fosse tipo esses dois? Que já são tão parecidos... "Quero a fusão, e estou extremamente confusa com isso!"
Ela se relacionou com os dois e isso lhe causou problemas internos pelos seus questionamentos sem respostas; foi então que buscou alguém que fosse a soma... E nada. Ela falou com os dois, se ela poderia de repente, ficar com ambos. Eis que veio a pergunta de um deles: "Tudo bem se você, do mesmo modo, não for suficiente pra mim e precisar arranjar outra para completar? Não a mim, no caso, e sim, meu desejo. Ou, completar você que não pode pra mim ser inteira?"
Arlete desmoronou! Em mil pedacinhos a mais... Escutar algo assim? Caiu a ficha e ela toda. Havia um problema! Ela acabou ficando sem os dois rapazes claro, porque não se pode somar os dois pra virar um e depois dois. "Pessoas não se fundem! É isso. Individualidade..." Pensou. Finalmente algo clareou em seu ser. A sua individualidade estava ferida e descoberta. Chorou como uma criança que vem ao mundo não sabendo o porque, mas cheia de sentimentos da sua história vivida e uterina. Chorou por se ver sozinha nisso, na sua estranheza de ter um problema que cresceu com ela e ela nunca tinha visto isso. Não bastou nomearem, tentarem explicar... Não. Às vezes a gente só entende quando leva um soco no meio do ego desordeiro e infernal que pulsa. Foi aí que ela viu e sentiu, acompanhada de dois gestos (uma mão no coração e outra, na cabeça) falou: "A dualidade está aqui".
Nenhum comentário:
Postar um comentário