terça-feira, 29 de junho de 2021

Bus

Pela manhã no ônibus eu não costumo ficar no celular porque quando olho pra o lado é tanta gente assim que sinto uma inércia desconfortável; além de não ser bom pra vista; além de que é o momento que aproveito pra meditar ou debruçar a pensar em algo. Mas no geral, eu medito. Acho que a velocidade e trajeto do ônibus me permite isso. As coisas chegam na cabeça e já passam. Eu fico observando as pessoas com cuidado para não intimidar, claro. Especulo vidas, perfis e depois passa. Já estou olhando pra outra; ou outro lado, paisagem...

Tem algumas pessoas que chamam minha atenção. Por exemplo, a moça sem estampas. Ela era toda lisa... Tão clean que me chamou atenção na harmonia. Sem nada brilhante; ou seja, sem brinco, sem pulseira, anéis ou relógios. Cabelo bem penteado escuro preso como "rabo de cavalo"; uma blusa fina cor de marfim (mas nem dava pra ver absurdamente nenhum detalhe de um sutiã); um short bege com textura de linho; uma bolsa preta de alça longa, com a mesma textura de linho; uma sandália de calço marrom e faixas em cima azuis opacas com textura de linho novamente, porém em outro sentido. E só... Nenhum acessório a mais. Só o necessário. Os olhos semicerrados pelo sol e uma máscara branca que só cobria seu nariz e boca. Unhas feitas, mas naturais... 

Tão extremamente discreta que me chamou atenção. Eu queria fitar mais. Pensei: será que ela é virginiana? Será que a casa dela é minimalista? Será que ela é perfeccionistas que chega a ser ruim pra ela. Ela é chata? Ela está bem? Não parece ter um olhar tranquilo. Mas com um sol no rosto, quem parece? Será que ela fala contido; ou seria bombasticamente diferente ao conversar com os amigos?

Passou. Eu tinha que sair da minha cadeira e ir em direção a porta pra descer. Olha: Uma garota de 1,50 com uma calça preta, tênis preto e branco, blusa verde vem vivo, com um stitch bordado, cabelinho curto e como dizia a minha vó: com olhinhos "acatitados". Atentos e rápidos. Eu não lembro a cor da máscara.  Pensei: olha como ela caricatural também. Avessa a outra que vi a pouco; mas igualmente chamando minha atenção. Ela tem uma tatuagem no braço do studio ghibli... Chiriro em cima do dragão! Que legal. Deu vontade de assistir novamente com mais paciência.

Desci. Esperei o sinal fechar e atravessei.

Eu lembro mais dos detalhes que permito ver e das suposições de histórias do que olhar no celular passando por feeds e destaques do Instagram. As máscaras hoje cobrem sorrisos e alguns trejeitos, contudo, a gente aprende a ler de outras formas. Tem muitos personagens por aí.

Eu passei ontem no ônibus por uma parada que tinha uma mulher grandona com cabelo e pele escura e de cachos pequenos. Ela estava de fones grandes "JBL", olhos fechados e escorada no ferro da parada.

Pensei: ela está cochilando, orando ou curtindo muito a música? Pelo olhar/ ou falta dele deu pra ver pelo menos uma coisa: ela não estava por alguns minutos ali! 

Essa capacidade de silenciar e ouvir; ligar e desligar-se do mundo é extremamente gratificante. :) 

A missão faz morada

Eu não costumo gostar de acordar cedo a menos que seja pra viajar. Sou assustadoramente pontual e eficiente pra isso. Mochila pronta, cochilo dado, café tomado, roupa adequada e coração repleto.

Mais um dia que eu vou a um lugar desconhecido como missionaria. Eu fico com uma alegria genuína em ir cantando no carro com minha turma; chegando lá nos reunirmos pra determinar a logística, orar e finalmente nos espalharmos com as mãos e corações cheios.

Carrego com no peito Cristo em mim; nas minhas mãos alguns objetos e alimentos pra algumas pessoas; na minha mente a sabedoria do ouvir, acolher e apresentar a minha missão: somos alcançados, amados e salvos pela fé e pela graça de Cristo Jesus. Saio levando amor, não o meu; mas daquele que por meio de mim, cumpre sua obra.

Agora levo e recebo abraços, sorrisos e lágrimas. As vezes me seguro, pra não mostrar tamanha sensibilidade que chegam aos meus olhos; há uma linha ténue entre empatia e apropriação. Eu sinto muito...

Sinto muito a situação em que se encontram, sinto muito ao ver a sabedoria de quem pouco tem coisas, mas estão repletos de fé ou ainda sim, tem alegria; sinto por aqueles que quase desistiram; sinto pelos que necessitam de tanta coisa e sofrem injustiça e precaridade... Hoje eu vou sentir de novo o desgosto do caos do mundo e ao mesmo tempo o amor maior do mundo que é o de Deus; o de servir.

Vou cheia de intenções, achando que vou ensinar e na verdade tantos me ensinam com suas histórias que eu volto, contente porque contribui com um momento, ou dia bom; feliz porque eu cheguei representando algum sim de uma oração; porque fiz algo de bom pra outros.

Volto reflexiva, transformada a cada encontro, interferida por cada um. Volto mais ao básico mesmo: humana.