Baixou o estrógeno, disse ela; e junto com ele baixou um clima, uma personalidade e ela não parece ser quem ela é. De fato, ela não é assim, ela está assim... Pergunto observando-a, o que se vai quando seu útero se despedaça? Ela começa a ficar triste, encolhida, irritada, agressiva. Um mix! Uma mulher ferida. Certamente... Mas isso acontece todo mês! Ela não se acostuma?
O corpo dela não permite o hábito, chegou como "insight". Para além dela pensante, há o corpo dela tão complexo na sua constância de variações; hormônios sobem e descem, naturalmente. Fito-a com surpresa, ela na verdade tem que lidar com isso todo mês?
Comprei sorvete e dei pra ela, porque li em algum lugar que é bom e pela expressão no rosto dela, deve ser mesmo. Enquanto ela toma o sorvete, come, eu fico pensando... O que tem naquilo de tão especial? Pesquisei. Estimula hormônios bons que nela agora faltam. Ou seja, não é bobagem de mimo é real! Ela precisa de reposições.
Uma flor despedaçada em vermelho vivo, causa dor. Dor lá no ventre, como também na sua cabeça no primeiro dia. Com o escorrer tinto de seu ventre, vai embora o poder de ser mãe, o desejo de ser mãe; ou vai o alívio de ainda não ser mãe, mas vai causando incômodo; aparece durante alguns dias a marca vermelha lembrando que ela multiplica nações. Vai a marca da preparação fraternal, vai a marca da sua busca incessante física de ser um com outro e gerar algo bom, gerar vida. Seu sangue mostra a imposição que lhe foi dada: ser mulher. E o que é ser mulher para além disso? Pensei. Mas isso são outras histórias.
Observei-a depois em outros meses; as vezes a guarda dela baixa intensamente, mas vi que ela sabe na maioria das vezes lidar com essas variações de hormônios que causam uma montanha russa em seu humor e até altera a aparência de seu corpo.
Vi que ela aprendeu a se amar mesmo sendo estranha para ela mesmo, percebeu que independente disso, ela merece amor; que pode curtir a sua escuridão até chegar novamente a luz, sem medo de ficar lá por muito tempo; que ela pode comer e nutrir até sua alma sem receio de engordar; que pode levar afeto numa compressa que aqueça sua pele até chegar no seu ventre machucado; que ela pode parecer uma menina de 12 anos que levanta da cama e vai para o sofá assistir desenhos e filmes bem "sessão da tarde" até ela enjoar; que pode chorar e rir por uma bobagem com uma sensibilidade de poucas palavras ou mesmo, vendo uma cena afetiva; que um banho demorado é bom; que ela pode dispensar compromissos por não estar tão bem, que ela pode aceitar também se assim quiser, mas sem cobrar tanto, afinal, seu corpo está energicamente consumindo mais para uma região e é nela, dela. Foco em si mesma.
Concluí observando, que ela aprendeu que pode se aninhar em meio as cobertas procurando abrigo que dessa vez o corpo se preparou, mas não pode ser; que existe afetos em diversos cômodos da sua casa, que existe os novos escritos nessa sua fase lunar; que ela deveria pegar aquele livro que encostou no criado que nada fala; que ela pode vestir roupas mais confortáveis e leves, sem combinar estampas e mesmo assim se sentir bem; que ela pode assistir um filme todo e dormir, porque ela se permitiu dormir demais! Que ela pode lutar com ela mesma não aceitando ou se entregar a esses momentos, conhecer seus limites e avisar a quem está ao seu redor pra situar como se deve agir.
Ela aprendeu que pode fazer mais um pouco disso tudo em outros dias! E se não fizer, não importa a correria, o corpo dela uma semana do mês avisa, que ela deve parar para esse encontro. Para cuidar de si, cuidar do seu corpo que também é lar.
Admirei suas nuances, seus altos, seus baixos. Que beleza entre algo delicado e brutal ela tem nessa dança, sim, ela dança com isso, nisso... Levantei de onde estava e sem dizer nada ofereci o cuidado que ela as vezes esquece ou não consegue ter, mas precisa: um abraço. Assim juntei seus pedaços e inteira ou inteiros, ficamos ali; ela lambuzada de chocolate e eu fingindo não querer um pouco pra não irritar ela.