sábado, 23 de maio de 2020

Um presente

Eu estava estudando neurociências quando recebi uma mensagem na tela do meu notebook:

"Você recebeu um vale presente. O que você precisa saber: Será um dia de folga, com tudo pago, o tempo passará diferente pra quem não for com você e eles ficarão bem. Você não precisa se preocupar com absolutamente nada, descanse. Aceita?" 

Eu sorri sem acreditar. Aliás, duvidando. Será? Mas sorrindo e em tom de brincadeira respondi como se eu pudesse falar pra quem escreveu aquilo: "Aceito!" Fechei a janela que apareceu isso e fui dormir. Acordei com som de chuva, olhei pra cima e afastei a cortina da janela, gotas de chuva descendo lentamente; chovia forte, mas deu pra ver, que havia muito verde e uma claridade dizia que o sol já estava por ali. Fechei os olhos e fiquei ouvindo... Barulho de água forte escorrendo, não parecia ser pelas calhas, mas por riachos, estava tão bom... A cama me acolhia ali com um frio que vinha apenas do clima, sem ventilador, sem ar-condicionado. Espreguicei-me e me encolhi em meio a lençóis e edredons tão macios e alvos que poderia sugerir que estava nas nuvens. Percebi que eu estava nua. Confortavelmente nua deitada por entre as cobertas. 

Sentei na cama e me dei conta: eu estava em outro lugar. Da cama eu via uma pequena sala, mas não havia TV, apenas um sofá de madeira com almofadas volumosas estampadas com mandalas em tons pastéis, não tinha tapetes em lugar algum, nem precisava, o piso era de madeira, ao lado do sofá uma mesa lateral quadrada e com entalhes, um abajur rústico igual ao que estava do lado da cama que eu estava; do lado da luminária, caneta e papel a espera de escritos um vasinho de cerâmica branco com detalhes coloridos e uma plantinha nele. Na frente de tudo isso, uma bancada de cimento queimado e tampo de madeira; era como uma copa, alguns poucos armários, frigobar e louças brancas. Tinha uma jarra com água e flores cor de rosa seco em cima da bancada e um bilhete abaixo dela. No meu campo de visão também dava pra ver uma porta a direita e depois da copa e salinha, cortinas brancas que pareciam esconder grandes portas. Eu estava em uma espécie de chalé, com estrutura toda de madeira. Fitei o bilhete, levantei e fui até ele. 

"O café será servido na casa ao lado. Não se preocupe com a hora."  

Lembrei-me do: "Você não precisa se preocupar com absolutamente nada, descanse." Então eu estava vivendo o tal presente! Como eu cheguei ali? Não sei. Levantei enrolada em um lençol e fui a porta, supunha que ali poderia ter alguma roupa, ser o banheiro, e era. Ao abrir a porta vi que o banheiro era bem grande, o piso dele era diferente, uniforme em tom de bege, as paredes com pedras grandes em seus vários tons de marrons. Tinha várias plantas suspensas, a cuba da pia ficava em cima de uma bancada de madeira maciça e atrás dela um espelho grande, foi quando eu me vi. O cabelo solto, leve e macio, eu estava sem resquícios de maquiagem, mas não havia marcas firmes de olheiras, a pele parecia mais bonita, aproximei e vi que parecia ter passado por uma limpeza de pele, sobrancelha feita... Eu estava em um SPA? Não me lembro de nada! Meu rosto dizia que tive uma boa noite de sono e o resto do meu corpo também sinalizava isso. 

Por trás de uma cortina de conchinhas encontrei o chuveiro, ao fundo do espaço pra banho plantas e pedrisco no chão com uma parede mais atrás coberta de planta; a chuva estava caindo diretamente nas plantas, observei que nessa parte, não havia teto. Liguei o chuveiro além de a água descer, automaticamente começou uma música instrumental de gênero "profundo, envolvente e zen", eu não sei explicar. A água estava um tanto morna e ao lado da cortina havia um roupão branco e extremamente robusto e confortável só de olhar. Parecia feito com o mesmo tecido da manta da cama. Ao terminar o banho vesti. 

Fui pra o quarto e dessa vez eu vi perto da cama uma mesinha com uma pequena mala de palhinha. Lá estavam alguns pertences meus! Uma calça azul estampada de praia, uma regatinha de algodão branca, meus chinelos, entre outras coisas; arrumei-me empolgada, abri as cortinas e vi portas grandes de vidro para um jardim imenso que mais parecia uma floresta e uma ponte pequena logo na frente da varanda me ajudariam a atravessar o riacho que passava por baixo. Havia sim, águas correntes por ali, além da chuva! Eu não me molhei muito porque a ponte era coberta em cima; segui indo aonde a ponte levava. Lembrei: Estou sozinha! Radiantemente sozinha.  Sentindo bem e  amada... Quem será que me deu esse presente? 

Depois de umas poucas curvas (onde dava pra ver que havia outros chalés por ali perto) encontrei a "casa ao lado". Pequenos degraus de madeira me fizeram entrar nela. O que era pra ser a sala era um restaurante de madeira e vidro que possuía um formato que lembrava uma casa; lindo! Ali sim, tinha algumas pessoas, casais, famílias, crianças brincando em mesas menores, neném lambuzado de comida, mas as mesas eram espaçadas e eu não conseguia ouvir nada além da música e algumas risadas. As pessoas pareciam tranquilas e satisfeitas, eu estava encantada e fiquei mais ainda quando vi a mesa com um banquete! 

A mesa estava bem colorida e saborosa só de olhar. Tinha frios, folhados, cuscuz, frutas, sucos diversos, café, leite e um cardápio de comidas a mais a serem feitas. Separei o que eu comeria em uma bandeja que havia disposta para os clientes; levei a mesa e me sentei olhando aquela paisagem deslumbrante.  Quando eu terminei, uma moça veio falar comigo e me entregou um panfleto em papel reciclável que dispunha de algumas práticas disponíveis naquele lugar, juntamente com um mapa que me guiaria pra cada uma e seus horários de funcionamento. Lá havia: aulas de yoga, pilates, vários tipos de meditação, pintura, oficinas de artesanato, culinária, musicoterapia, hidroterapia, diversos tipos de massagem; salão de beleza, feirinha... Era um “mini mundo” bom, pensei. "Aqui é o céu"? 

Passei a tarde inteira entre Yoga, meditação, banho livre na piscina, massagem, aula de culinária em que aproveitei todos os meus sentidos sensoriais, dei boas risadas. Até a manicure dispunha de óleos essenciais para massagem nos pés e nas mãos, eu amei! Aprendi a fazer penteados afros também. Quase que saio tendo adotado alguma filha (risos). Fiz amizades e jantei com um pessoal "vibe" boa. Comemos pizza! Divinas pizzas de sabores inusitados que eu não sei o nome além de nomeá-las de: delícias estupendas! E tomamos vinho, brindamos, oramos em gratidão. Começamos brandos falando baixinho e depois já estávamos em conversas mais altas e sorrindo bastante. Dançamos também. Não sei explicar qual era o gênero. Era uma mistura dançante! Saias rodopiavam, calças erguidas, pés descalços ou, sandálias baixinhas confortáveis. Foi muito bom! 

Voltei ao quarto em estado de êxtase, sozinha e feliz. Amada. Foi como me senti o dia inteiro. Especial, cuidada. E foi lindo de ver que cada um parecia se sentir assim também. Tinha amor exalado pra todo mundo. Vinha daquelas plantas? "Oxigenamor"? Vinha dos céus nas gotas de chuva? Vinha da terra e alimento que nos sustenta? Vinha do sol, da noite que nos aquece e nos sombreia? Vinha de tudo. Vinha das criações do Criador. Era presente dEle mas é claro! A perfeição da sua natureza detalhada em tudo, detalhada e transmitida em nós. Essas pessoas não poderiam ser tão lindas em suas inúmeras expressões e aptidões se não tivessem um tanto de Deus em cada uma delas. 

Ahh... Foi lindo. E agradeci e agradeço por cada momento em que fui agraciada e amada. Eu não fiz nada pra merecer, mas Ele me apresentou um céu na terra pra eu saborear um pouco do muito que ainda está por vir. E já foi tanto! 


Voltei para o meu quarto/ chalé. Tomei banho sorrindo e lembrando. Fui para cama e adormeci prontamente. Acordei aqui. Aqui nesse mundo que tem um monte disso que vivi, mas de forma fragmentada e tão grandemente rara essa junção. Lembrei-me de uma música do Teatro Mágico que diz: "Tem hora que a gente se pergunta como é que não se junta tudo numa coisa só?" Há um mundo bom. Em algum tempo e lugar. Haverá um mundo apaixonadamente bom. 

sábado, 2 de maio de 2020

Ela ficou no passado

Aqueles papos na cozinha.

- Eu lembro dela. Lembro como ela era a uns anos atrás; mas lembrar dela a uns anos atrás é lembrar dela como é hoje.
- Isso não faz sentido!
- Por quê não poderia fazer?
- Porque as coisas mudam, Cidoca!
- Pois é... Mas eu não estou falando de coisas Zé, e sim de uma pessoa. 
- Pior! 
- O que você lembrar dela?
- Bem, as mesmas características que você falou. 
- Pois então, Zé! Mas isso que eu falei faz anos e você conhece ela de agora. 
- Mas por exemplo... Ela não gostava de ficar com meninas! 
- Isso é desorientação de se relacionar com alguém que faça sentido. 
- Mas está aí uma diferença!
- Não, porque antes ela também fazia e fez isso! 
- Certo, mas não foi com meninas!
- Isso só muda o "objeto" de desejo principal, no que diz respeito a aparência. 
- Mas já muda... 
- Certo. 
- E o que mais?
- Eu não sei.
- Ela não fala muito ainda, neh?. 
- Sim. E por isso mesmo não tem como você afirmar que ela não mudou!
- Estou falando do que ela mostra Zé!
- E quem disse que o que ela mostra é realmente o que ela é em si, Cidoca?
- Bem... 
- Sabia que tem algo que se chama ascendente? 
- Lá vem... 
- Chuta o que é, sua cabeça dura, debochada. 
- É o que se ascende na pessoa! hahahaha Que cresce nela.
- Hahaha palhaça! É o signo que se eleva no horizonte oriental no momento que a pessoa nasce. 
- E o que danado isso tem com  nossa conversa? 
- É porque assim... Não é o que a pessoa realmente é, entende? Como é o sol dela. Mas como ela se mostra aos outros. E deve ser isso que acontece com ela. A gente ver o ascendente. 
- Tu está usando um negócio viajado como argumento, pra defender o que você está querendo que eu acredite?
- É que eu sou de aquário. Hahahaha
- Haha e eu de Áries com num sei que lá em capricórnio! Sei nem o que isso diz, mas lembro que você já me falou. Ah! E eu acho que isso tudo não vem ao caso. 
- Lua e ascendente. 
- Zé, parou com essas coisas, mano! Tu fuma, neh?
- Hoje eu não fumei. 
- Bom pra seus pulmões, seu "féla". E voltando... O que eu quero dizer é que ela ficou no passado. Não se renova. É muito estranho isso. A pessoa tem um momento de acordar na vida, neh? Não vejo isso nela.
- Talvez seja o natural dela dormir. 
- Mas isso não existe! Uma hora dar uma agonia!
- Cidoca, na moral... Você não sabe se ela se aflige com isso, e simplesmente não conta.
- Pode até ser. Mas tipo... Isso não externa na vida dela, entende?
- Entendo. Preocupante. 
- É... 
- Mas Cidoca assim... O que a gente tem mesmo com isso?
- Tipo... Nada! Hahaha É que sei lá... Era minha amiga muito próxima, sabe? E daí não consigo mais ser e olhando assim de longe, estamos muito longe... Ela ficou pra trás. 
- Entendi... Mas, por que você não vai lá, se aproximando pra bater uns papos cabeça com ela, talvez ela se solte aos poucos e fale. 
- É que ela ficou desinteressante, entende?
- Ah vá! Esse papo todo pra tu falar isso? 
- Haha foi mal... Só viajei aqui pensando nela e quis compartilhar porque é estranho demais! Porque tipo...
- Tipo nada! Depois vem falar que eu é que fumo. Eu preciso da sua hora pra fazer o seu mapa astral e entender você melhor, sério. 
- Haha Zé tu é uma onda. 
- Cala boca desgrama hahaha, passa tua hora!